domingo, 29 de maio de 2011

"Alargar as veias do cérebro" pode tratar a Esclerose Múltipla?

Exemplos de anomalias na circulação do sangue em veias que trazem o sangue do cérebro de volta ao coração (veias jugulares) ou nas que trazem o sangue desde a coluna vertebral (no interior do qual está a medula espinhal) para o coração (veias ázigos).
Segundo os autores deste artigo, citado abaixo, estas anomalias estariam presentes em quase todos os doentes com esclerose múltipla e apenas nesses.
Apesar de terem sido feitos muitos outros estudos depois deste, mais ninguém conseguiu obter os mesmos resultados, pelo que não há provas convincentes de que estas alterações estejam relacionadas com a doença.


Num artigo aceite para publicação em 2008 e que pode ser consultado na íntegra neste endereço, a equipa liderada pelo Dr Zamboni, conhecido cirurgião vascular da Universidade de Ferrara, descreveu pela primeira vez um conjunto de 5 alterações (a maioria apertos ou dificuldades de circulação do sangue) nas veias do cérebro (jugulares) e junto à coluna vertebral (ázigos) que estaria presente em quase todos os 65 doentes com esclerose múltipla estudados, mas não tinham sido encontrados em nenhum das 235 pessoas sem esclerose múltipla também analisadas (controlos).
Tal como os autores afirmavam neste primeiro artigo, a confirmar-se, esta seria uma verdadeira revolução no modo de encarar a doença. De facto, em vez de se tratar a imunidade (tal como fazem todos os tratamentos disponíveis para a doença, alguns com bastante eficácia) a chave para a cura da doença estaria em "alargar" as tais veias apertadas e deixar o sangue sair de novo da cabeça e da medula espinhal.
Tal como sempre na ciência, sobretudo quando há uma descoberta "revolucionária" e que vai contra o conhecimento existente, várias outras equipas se puseram em campo para tentar fazer a mesma experiência e assim confirmar que os resultados da equipa italiana não se deviam a outros factores como o acaso, erros no modo de examinar as veias ou na escolha dos pacientes, entre outros. O problema é que até ao momento, ninguém além dos autores conseguiu encontrar os mesmos resultados. Na verdade, utilizando métodos mais fiáveis e precisos para examinar as veias, estudos realizados em várias instituições (por exemplo este) demonstraram que as alterações descritas pelo grupo de Ferrara são raras e ocorrem igualmente em doentes e pessoas saudáveis, pelo que não estão associadas à doença.

Recentemente, a Sociedade Europeia de Radiologia Cardiovascular e de Intervenção, que representa os médicos que realizam tratamentos dentro dos vasos sanguineos, como o que está a ser proposto para a esclerose múltipla, emitiu uma declaração condenando a realização desta intervenção (cujo sumário pode ser consultado aqui), sobretudo tendo em conta que:
1) não é baseada numa teoria científica sólida, indo mesmo contra a maioria da evidência existente sobre as causas da esclerose múltipla;
2) não há evidência científica para o benefício da intervenção, nem nenhum estudo que mostre de modo convincente que a intervenção traz benefícios;
2) a única evidência de que a intervenção é benéfica são relatos de pacientes submetidos à mesma, em que estes dizem que melhoraram - infelizmente estes relatos estão disponíveis na internet, em particular em vídeos do youtube, mas quase nunca foram escrutinados em nenhuma publicação científica;
3) não haver relatos dos casos que correram mal, nem na internet nem em publicações, embora se saiba que este é um procedimento com elevados riscos e haja conhecimento de insucessos.

Assim, toda e qualquer tentativa de curar a esclerose múltipla alargando as veias do cérebro deve ser considerada não científica, por não ser apoiada por evidência credível nem ter nenhuma base de sustentação razoável.


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